domingo, 13 de março de 2016

Relato de Parto Catarina - Casa de Parto David Capistrano Filho - RJ

Por Natalia Mello


Eu penso que meu parto iniciou em torno de 7 meses atrás, quando descobrí a gravidez e consecutivamente comecei a comer informação sobre gestação e nascimento. Por isso vou dividir esse relato em dois. Quem quiser ler apenas a parte do trabalho de parto, pode pular pra segunda parte.

Parte 1 - Tô grávida, e agora?

Duas listrinhas no teste, Beta no dia seguinte, chororô, desespero, aquela sensação de impotência de toda mãe de primeira viagem. Enxoval, mudança, mas o que mais martelou na minha cabeça foi o parto. Eu queria parto normal, e isso não era discutível pra mim. Me lembro de adolescente, quando pensava em ter filho, que seria normal porque me despertava um sentimento de poder, de "sentir a dor"..

Entrei no facebook, e dei uma curtida em várias páginas de mães e gestantes, fui olhando uns posts, a maioria das páginas de mãezinhas falando de enxoval, quarto do bebê, doenças associadas à gestação, eu sinceramente achava aquilo cada vez mais fútil.
Comecei a buscar mais informação, como seria essa coisa de parir, fui pro youtube, e um dos primeiros vídeos que pipocou pra mim foi o promo do "O Renascimento do Parto". Podem me julgar, mas 2min depois eu já tinha encontrado um link pra assistir o filme inteiro online e só tirei os olhos do pc depois de chorar rios de lágrimas e com a decisão tomada: eu vou parir!

Comecei a caçar os grupos de parto normal, cheguei aos grupos dazíndias (como carinhosamente são apelidadas as mulheres que lutam por partos respeitosos). Nestas páginas, fui me tocando da dificuldade que era conseguir parir no Brasil atualmente. Nossa rede privada carioca gira em torno de 90% de operações cesarianas, e lendo os relatos e revoltas das mães, a grande maioria das gestantes de segundos, terceiros, tiveram seus primeiros partos roubados por um médico que a induziu ou a enganou no final atrelando a operação a um problema que não é indicação de cesária. Entre os mais comuns estão falta de dilatação, cordão enrolado no pescoço, perda de líquido, diabetes gestacional, hipertensão, infecções, miomas, qualquer doença ou operação que nada tenha a ver com o parto.. Enfim, tudo é motivo pra agendar a cesária. Médicos não gostam de assistir à partos normais, e quando o fazem, são cheios de intervenções, porque ele não sabe não intervir.. Mas isso é papo pra um outro post, infelizmente a maioria dessas 90% de mulheres, fragilizadas num final de gestação, acredita em seu obstetra e cai na faca por achar que ele salvou seu bebê. Sabem de nada, inocentes...

Por outro lado, temos a Violência Obstétrica. Sabe aquele parto normal que muitas na sua família tiveram? Aquele parto estuprante, sofrido, onde a mulher chega no hospital muitas vezes antes da hora, é colocada no sorinho pra dilatar, sofre episiotomia (corte na vagina pra "facilitar" a passagem), fica em posição ginecológica, com as pernas pra cima, com luz alta, uma enfermeira que ao invés de te encorajar, pede pra parar de gritar, um fdp dozinfernos que vem em cima da sua barriga pra empurrar o feto? Então.. Isso eu não queria pra mim nem pra minha pior inimiga.

Muito estudo, muita informação baseada em evidências científicas, blog da Melania, páginas das obstetrizes mais "social medias", e a cada vez mais fui me empoderando pra parir. É certo que eu pirei, virei uma louca ativista de facebook, briguei com muita gente, tretas em páginas médicas.. Na verdade meus hormônios de grávida estavam explodindo e meu melhor passatempo era estudar e tretar, e quanto mais tretas, mais eu ia estudar pra ter argumentos e defender o meu parto e o de qualquer uma que cruzasse meu caminho. Vale ressaltar que eu queria o parto de algumas de minhas amigas mais do que elas mesmas e acabei chateando algumas pessoas e me decepcionando também. Mas faz parte.. Nesse processo aprendí a respeitar a vontade da mulher, não julgo mais quem quer uma cesárea, é claro que vou tentar a tdo custo mostrar o outro lado, falo das intervenções que o recém nascido sofre, da prematuridade, mas nosso corpo, nossas escolhas. Estando informada, que banque e pronto.

Mas minha hora veio chegando, eu tinha algumas opções, particulares e gratuitas: parto domiciliar foi minha primeira vontade, mas fui vendo outros locais até descobrir a Casa de Parto de Realengo, do SUS. Fui pra entrevista, chorei pra Direção me aceitar (acabei chegando tarde pra iniciar o pré-natal na própria CP, além disso eu não moro na área de abrangência, e por ter feito cirurgia bariátrica poderia deixar de ser uma gestação de risco habitual e não ser aceita). Mas fui, e como nada é fácil pra mim, descobrí anemia e infecção no finalzinho (tamanho era o ótimo pré-natal particular que eu fazia até então com meu obstetra fofinho do plano top de linha). Conseguí negativar tanto um quanto o outro em 15 dias eu finalmente estava pronta pra parir. Com 38 semanas mostrei os exames bonitinhos e finalmente tive o Ok pra ser assistida em meu parto.

Parte 2 - Iniciando os trabalhos

Mesmo com os exames pendentes, e o medo de não conseguir vencer a tal da anemia e da infecção, Catarina começou a dar sinais de que queria vir. Pródomos dolorosos, contrações frequentes, muita cólica, dá-lhe banho quente e remedinho. O processo startou numa virada de lua e desde então eu percebia que tava chegando. Uma semana depois, resultados Oks, conversei com ela e disse que ela já podia vir: Ela seria recebida com muito respeito, sem sonda, sem aspirações, sem colírio ardido nos olhinhos, não sofreria nenhuma violência ao entrar nesse mundo. Ela entendeu muito bem o papo-cabeça e com 39+2 (pelas contas da ultra-som) o grande dia chegou.

Não me perguntem a hora certa, só sei que no dia anterior eu tava muito bem e serelepe na consulta de pré-natal na CP, participei do Chá do Parto, voltei pra casa de ônibus amarradona e sozinha.. Tava cansada como sempre mas nada demais.
De madrugada começou. Contrações e mais contrações, fui curtindo cada uma delas com dor e uma felicidade que não cabia em mim. Mandei msg pra minha doula, quando marido acordou pra trabalhar, a bolsa já tinha estourado e decidimos que ele ficaria em casa. Caminhei na sala, ouví música, dei uma olhada se faltava algo na mala que já tava pronta, dei uma depilada básica porque não conseguí marcar com a depiladora aquela semana, lavei louça, coloquei roupa na máquina, liguei pra deixar nossa carona a postos.

O negócio começou a ficar feio. Fiquei sozinha no quarto geladinho e contava contrações de 5 em 5.. Depois de um certo tempo eu já tinha jogado o telefone com o aplicativo longe, xingava todas azíndias, aliás, inventei muitos palavrões porque os usuais já não faziam mais efeito. Minha doulinda chegou com seu arsenal pra dor: oleozinho, uns negócios cheirosos, massagem, compressa quente, aliás, a primeira massagem foi deusa, depois disso eu só queria morrer e só deixei a compressa, pouco tempo depois, tira essa porra de mim! Eu só pensava em ir logo pra CP porque na minha cabeça já tava adiantado. A doula me pedindo calma, 5 em 5 ainda não era hora (e realmente não era, mas eu tava desesperada, pedindo peloamordedeus uma cesárea) Eu já sabia que os amigos-carona estavam esperando e fiquei pensando se tinham algo a fazer depois, preocupada com o trabalho que eu tava dando.. Mandei o André liberá-los, chamaríamos um taxi ou a ambulância da Cegonha. Mas graças ao universo não foram embora e esperaram pacientemente ouvindo meus gritos e aqueles palavrões que eu nem me lembro..

Ao mudar de posição, tentei ficar um pouco em pé, e eis que me vem uma vontade louca de fazer força. Minha doula perguntou se não era cocô, eu tinha certeza que não, já tinha ido ao banheiro duas vezes no iniciozinho, tamanha a sabedoria da natureza em "limpar" pra coisa acontecer. Eu chorava e só pensava em ir.. Uma nova vontade de fazer força, as contrações avançaram pra 3 em 3 min num estalar de dedos. Decidimos ir em torno de 11h.

O caminho era longo, e putamerda, que merda que eu fui me meter. Me lembro de mandar o Lucas mudar o rumo pra Barra, vamo pra Perinatal, parto é o caralho! por sorte ninguém me ouviu. Apenas riram da minha cara e a cada quebra-molas, uma ida ao umbral. Conhecí o inferno, batí um papinho com meus demônios interiores.. nada fora do normal.

Chegamos em torno de Meio-dia, me lembro de falarem que as suítes estavam ocupadas, me tentaram sentar, eu só apoiei e disse: Tá nascendo, me arruma um lugar! As enfermeiras meio que não estavam acreditando, perguntaram hora da bolsa, acho que respondí qualquer coisa, eu só queria uma banqueta, um chuveiro, eu queria chuveiro! Estavam dando alta pra uma menina, "jajá tem chuveiro pra vc, vamos medir essa dilatação"

Fui pra sala de exame, deitei com muito custo, enfermeira tocou (não sentí nada) e falou: "- Dilatação completa, Natalia! É só esperar vir". Eu pensei que nesse momento eu ia chorar de felicidade. Chorei de desespero! Pedí analgésico, pedí uma banqueta, vieram com aquela baixinha. Eu disse: Olha o meu tamanho, eu não caibo nisso! Trouxeram o cavalinho (joguem cavalinho de parto no google, então..). Eu não conseguia apoiar na frente, sentar foi difícil, mas quando enfim conseguí relaxar, joguei o peso e comecei a sentir Catarina no canal, e eu já não pensava em nada, não queria ninguém tocando em mim, não queria ver o marido, só deixei a doula perto porque ela tinha um copo de água na mão... As enfermeiras desligaram a luz, se posicionaram atrás de mim, colocaram um espelhinho embaixo pra ver, André ficou perto, mas fora do meu campo de visão.

Me lembro vagamente mas depois a Vitoria me confirmou: Entrei no expulsivo quando falei: Ela tá saindo! Gritei, gritei.. Não saiu.. Relaxei o corpo e 10 min depois eu sentí novamente ela descendo. Eu não tive vontade de fazer força, ela que fazia. Apenas sentí. Me lembro da enfermeira perguntando se eu queria colocar a mão na cabeça que já tava perto, eu não quis, me deu nervoso, só queria que aquilo acabasse logo.

Me veio o círculo de fogo e depois eu sentí mexer, mexer lá dentro, perguntei se eram elas colocando a mão (eu não queria!), elas explicaram que era a bebê se ajeitando pra sair. Depois disso a dor sumiu e eu só conseguí sentir um prazer extremo, uma coisa que não dá pra descrever, ela saiu e na mesma hora eu levantei pra que a passassem por debaixo de mim e a colocassem no meu peito. Arrancaram o vestido e eu sentí aquele serzinho quente, molhado e com um cheiro fodástico. Andei até a cama, me ajudaram a subir, deitei. Não sei se eu chorei, se eu rí, acho que fiz tudo isso.

Estava completamente anestesiada, não sentí mais nada.. apenas me preocupei em ficar cheirando Catarina. Ela parou de chorar no meu colo, na verdade mal chorou, reclamou um pouquinho quando saiu, e só. Ficamos alí mais de uma hora, olhei mãos e pés, ela espirrou pra terminar de expelir os líquidos do pulmão, já alí no colo mostrou a força da sua fome, conseguí colocá-la no peito, ela sugou com vontade. A placenta demorou um pouquinho e doeu pra sair, autorizei as meninas a puxarem um pouquinho massageando a barriga. Saiu, me mostraram.. Examinaram, nenhuma laceração, nenhuma necessidade de ponto! Tudo lindo, como eu sabia que seria.

Catarina nasceu dia 20/02, 12:44h, com 3.435kg, 48cm, apgar 10/10, e o exame do capurro bateu 41 semanas, não as 39 da ultrassom, e nem as 40 das minhas contas malucas da menstruação..

Fomos pra suíte, tomei banho, amamentei, comí, e 24h depois já estávamos de alta indo pra casa.

Gratidão eterna à minha doula, que foi crucial nesse processo, ao marido que apoiou minhas escolhas malucas, à equipe da CP que foram ultra-cuidadosas, sensíveis e umas lindas na minha assistência.

(Eu tinha prometido não demorar no relato, aproveitei um soninho lindo da bebê e conseguí! Aqui termina o processo de parir e começa o mais complexo, o de ser mãe).

Um comentário:

  1. Muuuito obrigada pelo relato, pelo esforço de contar assim, numa linguagem oral tão real. Parece que realmente não demorou pra contar, me identifiquei demais com tudo, com a pressão pra cesaria e o seu médico fofinho do plano. Acabei de conseguir uma data pro acolhimento, estou com a gestação adiantada também, e vou ter minha bebê na Casa de parto também. Feliz! Estava horroizada com medo de hospital. Perdi meu pai há menos de dois meses, foi longo o tratamento dele e inúmeras visitas. Hospital pra mim é dor, é doença, é meu pai sofrendo. Ter lá vai ser ótimo. Uma casinha rosa pra acolher a mim e a minha bebê. Obrigada por escrever!

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