domingo, 14 de fevereiro de 2016

Relato de violência obstétrica - cesárea

Relato de Violência Obstétrica 


Por: Parvaty Pirani





A dois anos atrás, gravida do primeiro filho, fui procurar um medico da rede privada, onde comecei o meu pré natal. Hospital referencia a assistência humana, mas de assistência, aquele hospital passava longe.

Fiz um ótimo pré natal, com um maravilhoso Cirurgião obstétrico. Porque cirurgião? Porque é exatamente o que o hospital faz, leva todas as mulheres no final, para uma cirurgia de grande porte, escondendo as reais indicações e o risco em que essa mulher está correndo juntamente com o seu filho, ao passar por essa cirurgia, que é considerada de grande porte.

Então vamos aos fatos..

O pré natal foi ótimo, meu medico tentou me convencer de ter um parto normal ( o único do hospital a tentar me convencer), porém ele não assiste esse tipo de via de nascimento, (ao dizer isso conseguimos entender que o hospital apenas faz cesariana sem nenhuma indicação).

Eu, na minha falta de conhecimento, optei pela cesariana sem real indicação, onde o medico me propôs que eu entrasse em trabalho de parto (esperar o bebe estar pronto para viver fora do útero), e assim fechamos o nosso acordo.

Gestação foi caminhando bem, apesar de algumas intercorrência (anemia), mas, infelizmente, durante toda a gestação eu sofri violência obstétrica, exames de toque sem nenhuma necessidade,não foi pelo medico do meu pré natal, ele sempre me respeitou, mas sim por todo o resto . Se eu chegava com gripe, eles faziam exame de toque, se eu reclamava do dedo do pé, eles faziam exame de toque, e por ai caminhava a minha gestação, cheia de violência.

Entrando no sétimo mês, eu obtive descolamento da placenta, para quem desconhece, o descolamento da placenta é indicação de cesariana , quando ocorre fora do período expulsivo.

O meu medico me explicou sobre o descolamento, me informou sobre a indicação de cesariana caso chegasse ao grau 4 sem entrar em trabalho de parto. Mas, como estávamos no inicio, continuamos caminhando com o nosso acordo. Na ultima consulta, o medico me pediu que eu não fosse no hospital sem ele estar lá, caso contrario, eu iria para uma cesariana sem nenhuma necessidade.


E assim aconteceu...

Um belo dia, após lavar as roupas do meu filho, fui ao hospital, pois eu estava muito cansada, devido a anemia. Fui atendida por uma obstetra maravilhosa, ela ouviu os batimentos cardíacos, fez o exame de toque (apesar de desnecessário) disse que estávamos muito bem, e pediu que eu fizesse ultrassom e exame de sangue para verificar a anemia (que justificava o meu cansaço) e o descolamento da placenta (como de praxe). E assim foi feito. Mas, infelizmente, o plantão trocou, e estava la, um medico, que não posso nem classificar ele como obstetra e não deveria nem ser chamado de medico, aquele ser. Não desejo um ser daquele para nenhuma gestante. Nem olhou para a minha cara, nem perguntou como eu estava, nem olhou para os exames, apenas me mandou para a cesariana. Sim, me mandou sem nem perguntar o meu nome. O meu marido tentou falar, foi ignorado, eu tentei falar, fui silenciada. Ele apenas virou para a enfermeira e a ordenou que tirasse a minha roupa, colocasse a roupa do hospital e me levasse para o CO, de cadeira de rodas. A enfermeira obedeceu de prontidão. Fui levada, chorando, implorando pelo meu marido, e meu direito de acompanhante foi negado juntamente com o direito sobre o meu próprio corpo. 


Fui largada na porta do CO, fiquei la por um tempo enquanto arrumavam o local de abate. Foi nesse momento, único , que escutei a voz daquele ser , se dirigindo a mim, onde ele me falou "O seu filho tem mais chances de morrer , do que você." , claro que tinha, ele estava apenas com 32 semanas, sete meses completo, não deveria vir ao mundo.

Então, começou a cena de tortura.. Me sentaram, pediram para que eu ficasse totalmente encurvada para frente, para eles aplicarem a anestesia, e eu não conseguia, por motivos óbvios, a minha deficiência me impede de conseguir fazer esse tipo de movimento, principalmente sem o meu aparelho ortopédico (que eles não permitiram que entrasse na sala de CO comigo), então eu informei a eles que eu não conseguia, foi ai que surgiu a primeira ameaça:

- "Se você não fizer o que estamos ordenando, abriremos a sua barriga sem anestesia. Você quer?"

Depois de muitos xingos , finalmente conseguiram aplicar aquela maldita anestesia. Me amarraram, e continuaram com o circo de horrores. Piadinhas, conversas paralelas, comemorações porque a enfermeira conseguiu raspar os pelos pubianos. E hora nenhuma lembraram que existia um ser no meio daquela mesa, um ser que eles estavam cortando, e estava ouvindo toda aquela palhaçada. Em uma tentativa de valer algum direito meu, perguntei para o anestesista o que ele estava aplicando na minha veia, e ele respondeu "sossega leão, pra vê se você fica quieta", então eu perguntei o porque eu estava amarrada e ai veio mais uma piadinha "Pra você não fugir" .


Ah, porque claro, eu ia conseguir fugir anestesiada , ok!!


Logo em seguida eu informei que eu estava muito enjoada, e então o anestesista me disse "-Vomita ai." , Sim, simples assim, era para mim vomitar em mim mesmo, qual o problema né?!

Tiraram então o meu filho de dentro da minha barriga, e eu não o vi. Ele foi levado correndo, em meio desespero, pela pediatra que suplicava uma encubadora para o meu filho. O medico ignorou o desespero e continuou a cirurgia, foi quando eu percebi o olhar de preocupação dele , e ele disse para a enfermeira que eu estava tendo uma hemorragia.

Hemorragia bem obvia, já que a cesariana tem uma chance gritante de hemorragia, ainda mais em uma gestante com anemia.

Após finalmente estancarem e fecharem a minha barriga, ele resolveu lembrar que eu existia e me disse  _"Lava bem a cicatriz quando tomar banho."


Fui largada la novamente, sem ninguém, todos foram embora, ninguém me informou aonde estava meu filho. Alguns minutos depois, volta a enfermeira para me fazer perguntas como "Qual o seu endereço?". Então eu pedi que fosse pedir ao meu marido para responder as perguntas, pois eu não estava bem, a anestesia já estava indo embora, e eu já começava a sentir tudo. Ela , claro, me ignorou e continuo a perguntar.

Após acabar com o interrogatório sem necessidade alguma, fui levada para a sala de recuperação, onde eles esperam passar a anestesia. Chegando lá, informei novamente que a minha anestesia já havia passado, e então fui desmentida pela enfermeira, onde ela disse que isso é impossível acontecer, então eu continuei dizendo que tinha sim passado, e ela me disse :

_"Passou é? Então levanta a perna, quero ver." Então fiz o que ela pediu.

Minutos depois , depois de muito insistência minha, ela resolveu pedir para me liberarem.

Fui para o meu quarto, junto com uma outra menina, então pedi que avisassem o meu marido, coisa que eles não haviam feito,. Não avisaram que o bebe havia nascido, não informaram que já tinha acabado a cirurgia, e nem que eu estava no quarto. E mais uma vez foi negado o meu direito de acompanhante, não permitiram que ele ficasse no quarto comigo. Então eu pedi que ao menos me deixassem por o meu aparelho ortopédico, para que eu conseguisse me movimentar, depois de muito insistir, eles permitiram que eu usasse a minha órtese.

Quando foi 4h da manhã a enfermeira chegou no quarto, e eu perguntei do meu filho, e ela disse que não podia me informar nada. E foi assim ate as 13h da tarde, onde eu finalmente consegui ver o meu filho por um vidro.


Os trés dias no hospital eu fui proibida de tocar no meu filho, de amamentar, fui violada de todas as maneiras.

Chegou o dia da alta, me deram alta sem nem olhar para a minha cara, quando eu estava indo embora, topei com uma medica, e então ela pediu que eu voltasse para o meu quarto, pois eu estava pálida. Então foi feito o exame de hemograma, constatando uma anemia profunda, fruto da hemorragia cirúrgica. Foi me dado noripurum intravenoso e uma receita para continuar o tratamento em casa. Eu fui pra casa e o meu filho ficou. Como toda mãe de prematuro, eu voltei ao hospital nos horários que teoricamente , me permitiriam amamentar, mas, não foi o que aconteceu, eles davam LA para ele, mesmo eu ligando antes, pedindo para não dar, pois eu queria amamentar. Mas, o meu direito me foi negado.

No dia da alta, eu sai do hospital com uma receita de LA, foi a única coisa que me fizeram, não me informaram mais nada, nem sobre os cuidados com um recém nascido, e nem como amamentar.


Alguns meses depois, descobri que tudo o que aconteceu comigo, tinha nome e sobre nome Violência obstétrica. Mas, já era tarde, eu não tinha me empoderado antes, não podia voltar atrás. A única coisa que me cabia era denunciar ou não.
Eu, como muitas das mulheres vitimas de violência obstétrica, entrei em depressão pós parto logo após nascimento.

Quando eu resolvi finalmente entrar com a denuncia, ao pegar o prontuario (diga se de passagem, foi muito difícil voltar ao hospital, entrei em panico na porta daquele lugar), vi que nele não constava nenhum nascimento, isso mesmo, eu não havia tido nenhuma cesariana naquele lugar. 




Meses depois, descobri uma nova gestação. Que contarei no próximo post.

O nascimento do meu segundo filho, e uma luta contra o sistema cesarista que nos cerca.


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